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Domingo - 23 de Outubro de 2016 às 21:40

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Vilson Nery é advogado em Cuiabá (MT) e membro do MCCE
Vilson Nery é advogado em Cuiabá (MT) e membro do MCCE

Aos meus amigos mais próximos sempre falo das diferenças, divergências e questionamentos que alimento em relação ao Direito Criminal, um ramo da Ciência Jurídica que busca na restrição de direitos, inclusive da liberdade da pessoa, a sua principal manifestação de força.

Diferente de um Direito Civil que pode penalizar com a supressão de patrimônio, ou o Direito Eleitoral que pode limitar a cidadania, impedir o sujeito de ocupar cargo público ou se candidatar, por exemplo, a regra penal ataca o maior de todos os direitos da pessoa humana: a liberdade de locomoção.

Por isso entendo que o Direito Penal só deva ser utilizado quanto todos os demais instrumentos presentes nas áreas do Direito se revelarem insuficientes, é o que se chama de princípio da “intervenção mínima”.

E reitero esse pensamento, agora com bem mais força, porque na qual quadra brasileira está se banalizando o “direito de prender”, sendo que as prisões temporárias e preventivas são cada vez mais utilizadas pelo Poder Judiciário, o que contribui para que a população carcerária brasileira, com cerca de 700.000 presos, seja uma das maiores do mundo, fato que parece não incomodar os nossos juízes.

É o caso do paranaense Sergio Moro.

Ele comanda a 13ª Vara Federal de Curitiba, por onde tramitam ações penais, e conseguiu atrair para sua competência de processar e julgar, um caso ocorrido em Londrina, há centenas de quilômetros dali. Se trata da nascente operação lava a jato, que envolvia um doleiro e uma empresa de lavagem de carros daquela cidade interiorana.

Moro é acusado de perseguir o Partido dos Trabalhadores (PT), ainda que pessoas ligadas a diversos partidos políticos, e diversos políticos filiados a outras legendas, tenham a ver com os supostos “malfeitos” evidenciados na lava a jato. O juiz usaria a força do Direito Penal para avançar contra apenas um partido político, imaginando que este fosse o causador de todas as espécies de corrupção existentes no Brasil.

Tal postura acabou por merecer um artigo crítico publicado nos principais jornais do país na última semana, onde o juiz Sergio Moro é comparado ao padre Girolamo Savonarola, nascido em setembro de 1452. Conhecido por suas profecias, pela destruição de objetos de arte nas “fogueiras da vaidade”, e ardoroso combatente da corrupção, Savonarola seria morto por aqueles que um dia se beneficiaram de suas lutas.

O autor do artigo, o professor Rogério Cerqueira Leite, vê no juiz Sérgio Moro um novo Savonarola, religioso que agitou a vida de Florença no final do século XV. Numa época em que os pregadores tinham a popularidade dos roqueiros de hoje, o visionário, demagogo, moralista e ascético Savonarola incendiou a cidade. Foi favorecido porque a região sofria de uma invasão estrangeira dada a fraqueza de sua elite (complexo de vira-lata), e a ocorrência de uma peste que dizimava a população, fome, misticismo e superstições.

Bem “tipo o Brasil” de nossos dias.

E por aqui o Direito Penal é utilizado para constranger, humilhar, influenciar no resultado eleitoral, e acaba por criar as condições para rebeldias, rebeliões e abandono da paz social.

No artigo comparativo entre o juiz e Savonarola, o professor Cerqueira Leite diz constatar uma diferença essencial, apesar das muitas conformidades: não há indícios de parcialidade nos registros históricos da exuberante vida de Savonarola, como apontava o jovem Maquiavel, o mais fecundo pensador do Renascimento italiano.

Mas assim que foi útil, eliminando grupos políticos, Savonarola foi morto exatamente por aqueles que se beneficiaram do novo quadro de forças que se estabeleceu.

Já temos aqui mesmo no Brasil o exemplo de um justiceiro que “cumpriu” seu papel e caiu no ostracismo (morte por esquecimento). Trata-se do ex ministro Joaquim Barbosa, que presidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Mensalão. Até então o STF nunca havia julgado políticos, mas processou 40 pessoas supostamente ligadas ao governo do PT.

As condenou. E parou por aí, nunca mais o STF mandou prender alguém.

Joaquim Barbosa cumpriu o seu script e foi esquecido. Moro caminha célere na mesma direção. Dizem que vem a Cuiabá por esses dias, então é a oportunidade para dar as boas-vindas ao Savonarola das araucárias.

Vilson Nery é advogado em Cuiabá (MT) e membro do MCCE (Movimento Cívico de Combate à Corrupção Eleitoral)



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